quarta-feira, 16 de julho de 2014

Aprendizagens da Vida

Capítulo de hoje: Aprendizagens da Vida!

Ontem, voltando do hospital com mamys, que está em processo pré-cirúrgico, entra um senhor na lotação:
"Boa Noite!" - Ninguém respondeu!
Ele insisti - "Boa Noite. Por educação, me olhem e falem comigo". Não consegui notar se alguém respondeu, eu apenas o ouvia e não conseguia ver a sua face.
Ele, por sua vez, começa a falar e, embora alguns o ouvia ou apenas o escutava, acredito que nenhuma pessoa, ou talvez uma, o direcionava o olhar.
Ele dizia que um dia teve uma casa, era farmacêutico e se não me engano, tinha formação em Matemática, ou entendia muito sobre o assunto... Falava muito! Sobre muitas coisas...

As pessoas foram descendo da lotação e ele se senta. Direciona o olhar pra mim e começa a falar, repete as mesmas coisas e diz que é muito emotivo. Se lembra de uma situação de sua vida, em que se despede de sua mãe - ele chora - Lembra do gesto que tanto fazia sentido em sua infância, mesmo gesto que executou no enterro de sua mãe.
Seu discurso era confuso, parecia beirar a loucura, parecia ter ingerido um pouco de álcool, mas era um ser bem lúcido. Em minha mediocridade de ser um humano, senti vontade em não olhá-lo mais, porém, era a única pessoa que o dava atenção. Pensei - por que eu queria não olhar para aquele homem? Por que as pessoas que ali estavam não o olhavam?
Continuei a escutar - "Eu já fui da classe média alta. Mas eu vou te dizer, eu não gosto de gente rica. O pobre é o que mais doa, pode ser o que for, um prato de farinha que seja" - em meio á uma fala ou outra, ele se lembra de uma música do Roberto Carlos. Canta! E continua - "Eu nunca roubei uma agulha que fosse. Na verdade, esta semana roubei sim, roubei uma flor, uma flor para a minha amada. Por que eu também amo. Me perguntaram se valia á pena, roubar uma flor e respondi 'tudo vale á pena quando se ama'. Eu amo, eu sou um apaixonado! Ontem, uma mulher me disse que eu era um fedido, mas hoje não estou fedendo, eu tomei banho e até troquei de roupa, olha, consegui até fazer a minha barba. Eu não estou fedendo mais... Eu não estou fedendo mais... Eu passo muita fome ás vezes... Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade. Desta sociedade. Eu sou a sociedade, mas hoje, eu não faço parte dela".

Então, levantou-se e deu o sinal! Olhou-me e disse "Vá com Deus minha filha e obrigado por me ouvir!"

Eu queria perguntar tanta coisa. Como aquele senhor chegou naquela situação? Que vida aquele homem teve? Qual vida aquele homem tem?

Mas, apenas respondi - "Vá com Deus também" e fiz um gesto de agradecimento.

Comecei a pensar o quanto aquele senhor me fez refletir - um homem que parece ter parte de sua dignidade pautada em um banho. Um 'simples' banho e uma barba feita. "Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade" - essas palavras ficaram gravadas em meu coração.

Começo a me questionar, POR QUE AQUELE HOMEM? POR QUE EU? O que me diferencia daquele senhor? Parece um espelho... Um espelho que muitas vezes permanece na escuridão, por não querermos enxergar o que é desconfortável, o que causa náusea, angústia, medo... Sim, eu tenho muito daquele homem. Mal sabe ele, que também busco este lugar na sociedade... Talvez a minha busca seja um pouco 'menos desconfortável', ou talvez 'mais alienada'. Talvez a sua busca seja 'mais livre', ou 'menos fácil', enfim... Aquele homem é uma parte de quem sou.

Sei que muitos não lerão, por conta do tamanho do texto. Mas, me ative aos detalhes e compartilho por acreditar que esta minha vivência, depois de tudo o que venho buscando, pode servir de reflexão para a existência de muita gente.

Um banho! Um lugar na sociedade! Um homem que ama...

Scheila Leandro

Nenhum comentário:

Postar um comentário